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“Se o projeto acabar, muitas crianças voltarão ao trabalho infantil”

21/06/2021
“Se o projeto acabar, muitas crianças voltarão ao trabalho infantil”

Localizado em Santa Rita (PB), o Projeto Legal, do Centro de Defesa de Direitos Humanos Dom Oscar Romero (CEDORH), apoiado pela Fundação Abrinq desde 2019, atende cerca de 160 crianças e adolescentes, entre 7 e 17 anos, que estão em situação de risco e vulnerabilidade social. 

Para isso, oferece apoio pedagógico, por meio de aulas de informática, português e matemática, e oficinas criativas como teatro, música, dança e formação humana. 

De acordo com Jania Paula, assistente social da organização, o local onde o projeto atua sofre com diversas fragilidades como a violência, gravidez na adolescência e até o trabalho infantil: “É um território tomado pelo tráfico de drogas, temos índices altíssimos de violência urbana, mas não é divulgada para quem é de fora, não é uma violência explícita” conta.

“O trabalho infantil que mais detectamos é o doméstico para meninas, tanto que estamos trabalhando esta temática este mês. Nós temos muita escuta de meninas que não conseguem fazer as atividades pedagógicas porque estão cansadas de cuidar dos irmãos mais novos, tomar conta da casa ou limpar tudo. Já os meninos, temos a preocupação do tráfico, porque eles são chamados logo cedo para isso, subempregos como limpeza de terrenos, atuação em fábricas irregulares e vender coisas na rua. Também temos casos de crianças que vão para o cultivo de abacaxi, entre outros”, completa Jania. 

Como forma de prevenir e combater o trabalho precoce, a instituição estabelece um acordo no ato da matrícula, no qual a família se compromete que a criança e/ou o adolescente esteja matriculado na escola e não possua faltas. Para isso, é realizado um acompanhamento por parte da organização. 

Quando é identificado algum caso de trabalho infantil, o projeto realiza uma mediação com a família para entender o motivo da criança estar trabalhando. A partir disso, busca meios para que a criança ou o adolescente não precise mais ser exposto à violação.

“Na mediação chamamos todos os envolvidos. Primeiro escutamos individualmente e depois juntamos o adolescente e sua família. Às vezes elas falam que estão passando fome e vamos encontrando caminhos para ajudar, por exemplo, a criança ou o adolescente come no projeto, pega a feira [cesta básica] no final do mês, até chegarmos em um ponto em que ele não precise mais trabalhar”, explica. 

Michael* é um exemplo que, com o apoio do projeto, conseguiu ter seus direitos assegurados novamente. De tempos em tempos, o adolescente, que atualmente tem 17 anos, parava de frequentar a organização para trabalhar. Com uma forte mobilização, o Projeto Legal conseguiu conscientizar a família sobre as consequências que a prática causava para ele e, dessa forma, restabelecer seu direito à adolescência.

“Ele passava meses em fábricas clandestinas e insalubres e parou de trabalhar quando explicamos à família que se ele continuasse em um subemprego, não conseguiria uma coisa boa no futuro. Explicamos que ele tinha aulas de informática, estava sendo preparado e tinha potencial para uma profissão melhor. Foi quando a família o tirou dessa situação, pois não queria que o filho sofresse para o resto da vida”, relata. 

“Hoje, ele está mais feliz e tem uma relação de pertencimento, pois está em contato com outros adolescentes. Ele realiza uma atividade de monitoria e entendemos que pode ser um professor no futuro”, completa Jania. 

A maioria das famílias das crianças atendidas pelo Projeto Legal vive com ajuda de benefícios sociais como o Bolsa Família ou empregos informais e, por causa da pandemia, o trabalho infantil piorou na região. 

“Sentimos que após o término do auxílio emergencial o trabalho infantil começou a crescer. Duas coisas contribuem para isso: o fato das famílias não terem recursos financeiros e os meninos deixarem de comparecer ao projeto”, relata Jania. 

Para contornar a situação, o Projeto Legal lançou uma nova metodologia chamada Longe dos olhos e perto do coração, que nasceu a partir da preocupação sobre como a organização continuaria fazendo o acompanhamento e acolhendo as crianças e os adolescentes a distância. 

“Cada educador é responsável por um grupo de crianças e realiza acompanhamento por telefone, WhatsApp e encontros com hora marcada. Ele marca com duas ou três crianças para tirar as dúvidas sobre o conteúdo escolar, neste momento entregamos a apostila e a feira do mês. O contato com as famílias se tornou diário”, comenta. 

Mesmo de longe, o acompanhamento do desenvolvimento de cada aluno não perdeu a qualidade, isso porque o projeto também lançou o método semáforo, no qual monitora todas as atividades feitas e entregues pelas crianças e pelos adolescentes. 

“Nós lançamos o semáforo da semana. As crianças que estão acompanhando e fazendo todas as atividades iniciam com o semáforo verde, as que não estão iniciam com o vermelho e aquelas que estão com alguma atividade pendente com o amarelo”, afirma a assistente social.

Além do monitoramento das atividades, cada criança e adolescente é acompanhado por um assistente social e um psicólogo. Jania afirma que a diferença entre uma criança exposta ao trabalho precoce é nítida quando comparada àquela que tem o seu direito à infância preservado:

“Você percebe que a criança que não trabalha tem o potencial de se desenvolver a partir de suas etapas, já as outras é como se estivessem perdendo a infância. Elas ficam angustiadas, amarguradas, cansadas e tristes”, relata.

“O Projeto Legal sonha um mundo sem o trabalho infantil e um mundo sem trabalho infantil é um mundo sem pobreza. Se o projeto acabar, muitas crianças voltarão a trabalhar”, finaliza Jania. 

Mais de 1,7 milhão de crianças e adolescentes, entre 5 e 17 anos, estão em situação de trabalho infantil no Brasil, 706.326 exercem atividades consideradas as mais perigosas. Toda a sociedade pode mudar este cenário. Se presenciar ou souber de algum caso denuncie ao Ministério Público do Trabalho ou ao Disque 100. Diga NÃO para o trabalho precoce!

Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). 

* Nome alterado para preservar a identidade da criança.