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Brasil só terá rumo ao priorizar as crianças

24/08/2022
Brasil só terá rumo ao priorizar as crianças

Quem hoje se apresenta para conduzir o País a partir de 2023 precisa acordar para a centralidade do tema da infância e da juventude.

Por Rubens Naves1

 

Neste momento pré-eleitoral, discutem-se propostas para o desenvolvimento do Brasil. Os desafios nacionais são grandes, múltiplos e, em relação a vários temas vitais, dramáticos. Em muitas áreas, o cenário é de estagnação. Em outras, como meio ambiente, pobreza e fome, após anos seguidos de retrocessos, a situação é gravíssima e clama por ações emergenciais. Neste contexto, as crianças e os adolescentes precisam ser reconhecidos entre as maiores e mais decisivas prioridades.

Entre os muitos indicadores que apontam a gravidade da situação da infância e da juventude no País, destaca-se o recém-lançado relatório da Fundação Abrinq intitulado Um retrato da infância e adolescência no Brasil . O estudo marca os 20 anos de existência do Programa Presidente Amigo da Criança, criado com a finalidade de engajar o(a) presidente da República na meta prioritária de garantir vida digna e condições reais de desenvolvimento integral para crianças e adolescentes.

Produzido em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV), com base no monitoramento de ações do governo federal, o relatório tem como referência os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que devem ser atingidos até 2030 pelos países que, como o Brasil, se comprometeram com essa agenda. No estudo, a evolução e a situação do país em relação aos 10 ODS (há 17 no total) que impactam diretamente na infância e na adolescência foram analisados por especialistas. As constatações são muito preocupantes e devem mobilizar todos os que atualmente se dedicam a projetos capazes de recuperar o Brasil e colocá-lo no rumo do desenvolvimento sustentável.

Os objetivos dizem respeito ao combate à pobreza, segurança alimentar, saúde e bem-estar, educação, igualdade de gênero, água e saneamento, trabalho e emprego, redução da desigualdade, condições de vida nas cidades e em assentamentos e justiça e paz. A realidade da maioria das crianças e dos adolescentes brasileiros, hoje, em praticamente todas essas áreas é de estagnação em patamares distantes dos objetivos traçados. Como a maior parte das análises do relatório da Fundação Abrinq se baseia em dados referentes a até 2020, não cobrem o mais recente crescimento e agravamento da pobreza e da fome.

Outro estudo recente, da Rede Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional) em parceria com o Instituto Vox Populi, aponta que o “país da fome” dentro do Brasil engolfa hoje 33 milhões de pessoas. Trata-se de um histórico marco de retrocesso.

O relatório da Fundação Abrinq informa que, em 2020, 13% dos brasileiros de até 5 anos de idade – população de quase meio milhão de crianças em fase fundamental de desenvolvimento biológico e mental – estavam em situação de desnutrição crônica. Uma tragédia que só vem aumentando.

Parte dessa tragédia pode ser atribuída a efeitos da pandemia e da inflação – problemas parcialmente originados fora do Brasil, mas cujos impactos entre nós se devem, em larga medida, a políticas públicas vigentes, ou ausentes, no País. A Fundação Abrinq e a FGV assinalam medidas do atual governo federal que contribuíram para o aumento da fome. A lista inclui a retirada de recursos do Programa Bolsa Família, o fim dos programas de cisternas e de estoques reguladores do mercado de alimentos básicos e a redução de recursos do Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf). O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que priorizava a compra de alimentos de agricultura familiar para doações, alimentação escolar e cozinhas comunitárias, também foi descontinuado. O estudo menciona, ainda, a falta de estímulo para a criação de bancos de alimentos e restaurantes populares.

Hoje, a promoção das condições de vida de crianças é prioridade urgente e precisa ser assim contemplada nos debates políticos e planos de governo. Sobretudo as áreas de segurança alimentar, combate à pobreza, assistência social, saúde e educação requerem políticas de Estado articuladas entre ministérios e instâncias de governo. Se não formos capazes de conceber e executar respostas rápidas, amplas e consistentes ao déficit de atendimento das necessidades básicas de milhões de crianças e adolescentes, a sociedade brasileira sofrerá danos de longo prazo.

É hora de o Brasil adulto reconhecer que tratar os mais jovens como nossa grande prioridade não reduz a importância das outras pessoas e populações. Trata-se de adotar uma perspectiva sobre a sociedade e a Nação que se fundamenta na valorização efetiva das suas próprias potências e promessas de vida, realização e desenvolvimento, para todos, começando já.

Os que hoje se apresentam para conduzir o Brasil a partir de 2023 precisam urgentemente acordar para a centralidade do tema da infância e da juventude, identificar prioridades nessa área, desenvolver e apresentar propostas, comprometendo-se com a sociedade brasileira a prestar o cuidado, propiciar a nutrição (material e imaterial) e fomentar o desenvolvimento daqueles que são o nosso maior tesouro e que construirão o nosso futuro coletivo.

1Rubens Naves é advogado, professor aposentado da Faculdade de Direito da PUC-SP, coautor do livro Direito ao futuro – Desafios para a efetivação dos direitos das crianças e dos adolescentes, ex-presidente e conselheiro da Fundação Abrinq.

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