O enfrentamento da pandemia na área educacional tem sido um grande desafio em todos os níveis de ensino, uma vez que a adaptação às aulas on-line e as desigualdades de acesso às tecnologias agravam o cenário de incertezas em que a maioria da comunidade escolar está inserida.
Diante dessa situação, muitos gestores escolares tiveram de buscar alternativas emergenciais para continuar com as atividades. Principalmente, com o auxílio de plataformas on-line de ensino e a introdução de novas metodologias.
A necessidade de ofertar novas abordagens diante desse panorama, como o ensino à distância, fez com que muitos professores tivessem de se reinventar, elaborar novos planejamentos de aula e rever antigos conceitos.
O professor, historiador e filósofo Mario Sergio Cortella, em seu canal no Youtube, ressalta que “é fundamental que nós, professores, nos adaptemos às novas possibilidades de transmissão do conhecimento oferecidas pela tecnologia e que revisemos os conteúdos que serão passados adiante, dentro do novo contexto em que estamos vivendo”.
O professor é o mediador entre o conhecimento e o aluno, quem orienta o caminho, ajuda e auxilia na construção das habilidades essenciais para a vida profissional e pessoal. É ele quem coloca em prática o processo de ensino, tem contato direto e acompanha de perto o desenvolvimento e a formação dos alunos.
Esses profissionais têm se esforçado e enfrentado dificuldades para garantirem a aprendizagem da melhor forma possível aos alunos, em um momento tão delicado e incerto como o atual.
Cópias impressas, aulas on-line e visitas domiciliares: amor à profissão
Toda mudança requer um tempo para a adaptação. É o que afirma Katia Araújo, diretora da organização Fundação Terra, em Arcoverde – PE. “No início, foi um desafio muito grande. O trabalho triplicou. Os professores passaram a gravar vídeos e realizar atividades on-line, coisas que não estavam acostumados a fazer no dia a dia. Alguns tiveram dificuldades e realizaram cursos de informática, com noções gerais sobre aplicativos básicos, noções de gravação de vídeos e cenário. Aos poucos, buscando estratégias e realizando reuniões periódicas de avaliação, eles foram conseguindo se adaptar”.
A organização pernambucana, que foi criada há 36 anos, atua na área da Educação, Assistência Social e Saúde, com uma escola de educação infantil na área urbana e outra unidade de ensino fundamental I na zona rural. Atualmente, são atendidas 388 crianças.
Uma dificuldade apontada por Katia é que muitas famílias da comunidade não têm acesso à internet. Em razão disso, ela pensou em uma maneira para que todas as crianças pudessem realizar as mesmas atividades. “Desenvolvemos ações com kits pedagógicos. Como não temos muitos livros didáticos, os próprios professores preparam as suas aulas, conteúdos e tarefas. Imprimimos na própria instituição e entregamos às famílias que retiram aqui conosco, todas as segundas-feiras. Também enviamos videoaulas aos alunos que têm acesso a um aparelho celular”, conta a diretora.
Além do preparo e da distribuição do material de aula, a preocupação com as crianças e a participação dos pais não foi deixada de lado pela equipe de professores. “Visitamos aquele aluno com o material e a orientação adequada. Realizamos um grande esforço para atingirmos o aproveitamento e a participação de todos. Tivemos poucos casos de crianças que não participaram de nenhuma forma das atividades que foram preparadas. Isso é uma conquista para todos nós”, complementa Katia, com alegria.
Desafios na educação infantil
O fechamento das escolas também afetou o desenvolvimento das habilidades socioemocionais das crianças e adolescentes – e isso é mais prejudicial para os alunos com idades menores. “Quando estão juntas, as crianças desenvolvem habilidades sociais, de comunicação e de relacionamento importantes para a vida futura”, explica Jaqueline Lima, diretora do Centro de Educação Infantil (CEI) Misericórdia II, localizado em Pirituba, no município de São Paulo – SP.
Os desafios no CEI Elite, em Guaianases, São Paulo – SP, também foram grandes. Para a diretora da unidade, Raquel Feliciano, “na educação infantil, a criança precisa de contato, de afeto e criar confiança fora de casa. Para essa faixa etária, por exemplo, o on-line não traz isso. O contato é muito importante. Foi uma adaptação bem difícil”.
Caroline Silva, professora do Berçário I do CEI Elite, ressalta que o fechamento da escola ocorreu de forma rápida e todos tiveram de se adaptar. “No início, fizemos reuniões entre a direção, a coordenação e os professores para entender o momento e de que forma poderíamos continuar com as atividades. Pesquisamos e estudamos novas formas de transmissão de um conteúdo que era ensinado de maneira presencial e, a partir daquele momento, teria de ser on-line. Outro ponto que planejamos foi como manter a comunicação com os pais ou familiares e, principalmente, com a criança”.
Durante a transição das aulas presenciais para on-line, à medida que foram definidas as estratégias de abordagem e adaptadas as atividades para o novo formato, os pais eram atualizados e participavam também desse processo. “Compartilhávamos qual o melhor aplicativo de comunicação para mantermos contato, os tipos de atividades que eram feitas e qual a importância da escola. Procuramos fazê-los entender também que as crianças iam para a escola para aprender, que a escola não era um local apenas de cuidados com higiene e alimentação e que as atividades realizadas em sala, são importantes para o desenvolvimento e aprendizado da criança”, destaca Caroline.
A importância da relação professor e aluno
Segundo a professora paulista, a interação entre professores e pais ficou ainda mais fortalecida, pois o isolamento e o enfrentamento da pandemia causava muitas dúvidas. “Os pais entravam em contato conosco solicitando orientações sobre qual era a melhor atividade para fazer com os pequenos. Recomendamos atividades bem simples, em horários possíveis para eles. Por exemplo, para a mãe que trabalhava o dia inteiro e só tinha a noite para ficar com o bebê, quando dava banho ou no momento de dormir, ensinávamos atividades próprias para serem feitas neste momento, um carinho, colocar uma música para escutar junto com a criança, fortalecendo um momento entre eles”.
Para a educadora, a educação infantil dificilmente terá uma redução da interação do contato entre professor e aluno. “Esse contato para os pequenos é essencial. Eles sentem falta do acolhimento quando chegam na escola, gostam de receber um abraço, uma atenção, um carinho. Eles solicitam os professores e monitores para qualquer atividade ou necessidade que tenham”.
Tanto o professor quanto a escola são importantes na formação da criança. “Somos responsáveis por proporcionar a eles o aprendizado e o conhecimento através dos estímulos. A infância é uma fase de descobertas, em que as crianças se reconhecem e aprendem com as próprias brincadeiras. Nessa fase, a criança irá interagir com o outro e terá noções de respeito, algo que ela irá levar para toda a vida. O professor é muito importante nessa interação e na formação enquanto indivíduo e futuro cidadão”, ressalta a educadora.
Caroline se emociona quando fala do papel do educador e de sua importância. “Eu me sinto responsável pela formação dessas crianças. Procuro ajudá-las nesse processo, como proporcionar experiências prazerosas que contribuam com o seu crescimento. Não é só chegar à escola, ficar lá e ir embora. A criança vai à escola para aprender.”
Pandemia reforça o papel do professor na aprendizagem
Os professores têm se desdobrado para dar conta de assessorar todos os alunos, ao mesmo tempo em que ampliam as práticas de lecionar em um contexto completamente diferente de meses atrás. Mesmo com os avanços tecnológicos que observamos nos últimos anos, a pandemia reforçou o papel do docente na aprendizagem e, consequentemente, na sociedade.
Para Maria da Ressurreição Barbosa, diretora da Fundação Lar Feliz, em Juazeiro – BA, a tecnologia não irá substituir o contato pessoal e a interação entre professor e aluno no processo de aprendizagem. “Nós trabalhamos em uma comunidade vulnerável e que apresenta um dos mais baixos índices sociais do município, onde muitas famílias não possuem recursos para a própria alimentação, muito menos acesso à tecnologia. Então, o professor é peça fundamental. Eu sempre falo aos professores de nossa instituição que, para trabalhar com a comunidade, não é apenas a formação profissional que conta. É preciso ter outras habilidades como empatia, generosidade, compreensão e saber se colocar no lugar do outro, caso contrário, eles não conseguirão fazer um bom trabalho”.
A diretora da instituição baiana que atende 525 crianças e adolescentes, revela que nesta pandemia, os docentes contaram com os seus próprios recursos e equipamentos. “Uma boa parte deles tinha notebook, outra parte smartphone. Muitos tiveram dificuldade no uso de aplicativos e na gravação de aulas. Mas a dedicação e a vontade de aprender e se adaptar à nova realidade fez toda a diferença. Os professores se capacitaram por meio de cursos ou até mesmo trocando informações entre eles”.
Com a pandemia, houve a paralisação das aulas e a maior preocupação era com a alimentação das crianças que faziam todas as refeições na instituição. A Fundação Lar Feliz realizou campanhas de doação de cestas básicas para as famílias das crianças.
Maria revela que as aulas on-line não conseguiram atingir grande parte dos alunos. “Em maio e junho do ano passado, o município criou uma plataforma de ensino que nos ajudou a disponibilizar aulas on-line para uma pequena parte dos alunos, pois cerca de 60% das famílias não possuem acesso à internet. Para essas crianças, os professores prepararam material impresso completo, para que elas pudessem retirar na instituição e devolvessem a cada dez dias. Quando um conteúdo realizado era avaliado, levavam outro kit pedagógico. Todo o material foi produzido com recursos da fundação e os professores que trabalhavam on-line utilizavam seu próprio notebook, celular e internet”.
A diretora se emociona sobre um caso que ocorreu no ano passado e das dificuldades enfrentadas pela comunidade de Juazeiro. “Um de nossos alunos, com 12 anos de idade, não queria ir para a escola e, quando ia, ficava sentado do lado de fora da unidade, como se quisesse ir embora. O menino rejeitava a escola, tinha dificuldades de prestar atenção nas aulas e possuía um comportamento agressivo. Um dia, conversando com ele, soubemos que isso acontecia porque o pai dele agredia quase todos os dias a sua mãe, e ele queria estar em casa para defendê-la dessas agressões. Ele tinha medo de que o seu pai matasse a sua mãe. Nós [professores] realizamos um trabalho de acompanhamento com ele, juntamente com psicólogo e assistente social, e conseguimos resgatá-lo”.
Segundo o educador Rubem Alves, a função de um professor é instigar o estudante a ter gosto e vontade de aprender, de abraçar o conhecimento. É ensinar a pensar. Quando o professor fala, provoca a curiosidade da criança e ela interage e questiona.
A pandemia tem impactado a sociedade, que não será mais a mesma. Vários aspectos se transformaram, inclusive a educação. Mas o papel do professor permanecerá relevante em todo o processo de aprendizagem.