A Associação de Apoio ao Projeto Quixote, localizada em São Paulo – SP, atende cerca de 300 crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, em situação de vulnerabilidade social. Com atuação em três frentes trabalhadas de maneira transversal: clínica, pedagógica e social, a organização tem como objetivo promover a saúde mental na infância e adolescência.
Para isso, divide o trabalho diário entre assistência e formações. No âmbito da assistência, o Projeto Quixote beneficia as crianças e os adolescentes por meio de atendimentos individuais e em grupo, consultas com psiquiatras, médicos e enfermeiros e atividades socioeducativas como oficinas de música, dança, artes, entre outras. Já as formações são voltadas para a capacitação de educadores e profissionais da área da Saúde, com cursos e programas de estágio para alunos de Psicologia, Serviço Social e até residentes de Medicina.
“O Projeto Quixote está completando 25 anos este ano. Ele nasceu com a missão de atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, sempre com esse olhar para a saúde mental. Além do olhar clínico, queríamos integrar o viés pedagógico e social para ter uma atuação tridimensional”, explica Graziela Bedoian, coordenadora geral da Associação de Apoio ao Projeto Quixote.
Uma característica que gera destaque para a organização é o fato de não estabelecer pré-requisitos para a criança ou o adolescente participar do projeto. Não é necessário estar acompanhado de um responsável, possuir documentos em mãos ou agendar as visitas. Basta comparecer na instituição que ele será acolhido.
A medida visa facilitar a chegada das pessoas sem impor nenhum tipo de barreira para que, no final, o público que mais precisa de apoio não seja excluído do atendimento.
“É melhor você receber a pessoa e solicitar essas coisas para ela trazer conforme consegue. Nós a atendemos quando ela quer ser atendida, porque quanto mais regrado, mais difícil fica. Nós falamos que o projeto é o lugar daqueles que não têm lugar, porque se aparecerem lá vão receber algum tipo de atenção”, relata.
O acolhimento imediato facilita o ingresso das crianças e dos adolescentes na instituição e, ao mesmo tempo, garante a frequência deles. No entanto, facilitar a chegada ao projeto aumenta também a complexidade nos casos dos atendidos.
“Existem razões diferentes para as crianças e os adolescentes estarem lá. Nós temos um público bem amplo, desde famílias que têm crianças e adolescentes com alguma questão relacionada à saúde mental, até motivos de violência, adolescentes que passaram pela Fundação Casa ou que estão em um abrigo. São públicos bem diferentes”, ressalta Graziela.
A associação ainda atende crianças e adolescentes em situação de rua, que, muitas vezes, comparecem para realizar as atividades e almoçar. Tal diversidade implica em alguns obstáculos, em especial durante a pandemia. Com a adaptação das atividades para o modelo remoto, a desigualdade ficou ainda mais evidente.
“As ações que mais precisamos adaptar foram os atendimentos, porque tudo era feito presencialmente. O nosso jeito de trabalhar é estar junto, fazer encontros, estimular a convivência. Faz muita falta, até porque o nosso público não tem internet a vontade. Às vezes utilizam o mesmo celular para estudar e participar dos atendimentos, isso limita muito”, desabafa.
O acesso fica ainda mais restrito, por vezes inexistente, para o público em situação de rua que não possui recursos para acompanhar as atividades online. Para contornar a situação, o projeto retomou de forma reduzida os atendimentos presenciais, seguindo todos os protocolos de segurança oficiais.
“O adolescente vai se desvinculando quando as coisas começam a ficar muito difíceis. Nós percebemos que aquele que não consegue acessar a internet vai perdendo o vínculo se não estiver comparecendo à organização. Nós temos atendido até 35% do nosso público, cumprindo os rodízios e o distanciamento social”, esclarece Graziela.
Os maiores prejudicados serão os alunos caso parem de comparecer a organização. Para evitar isso, a instituição está, atualmente, entrando em contato com todas as famílias que perderam o vínculo com a instituição para entender o que aconteceu. Os motivos para o distanciamento são vários: desde o medo de retornar ao projeto por causa da pandemia até a falta de dinheiro para se locomover até ele.
Para ajudar as famílias durante este momento de crise, a organização passou a doar cestas básicas. O que antes acontecia de forma isolada, agora passou a ser uma iniciativa recorrente: “Uma coisa que passamos a fazer muito é distribuir cestas básicas. Nós viramos um posto de distribuição de alimentos e materiais de higiene para várias famílias. Antes, fazíamos pontualmente para algumas, mas virou uma necessidade”, esclarece.
Mesmo diante de tantos obstáculos, a Associação de Apoio ao Projeto Quixote segue firme com o seu propósito de proporcionar a oportunidade de um futuro melhor e com mais saúde mental para inúmeras crianças e adolescentes.
“Nós apostamos nas mudanças, nas transformações, e para isso você tem que aceitar a pessoa como ela chega. Nós não olhamos a criança pelos problemas, doença ou pelo o que fez de errado, nós olhamos pelo que ela tem de potência, pelo que fez de melhor e isso faz com que ela brilhe. Nós apostamos na criança e oferecemos um espaço para ela se firmar como pessoa, com esperança, futuro, um lugar onde ela possa errar e acertar”, completa Graziela.
Prêmio Criança 2020: um reconhecimento a longo prazo
Tanta dedicação não poderia passar em branco. Foi assim, com muita garra e amor à causa, que a Associação de Apoio ao Projeto Quixote venceu, em primeiro lugar, o Prêmio Criança 2020.
A iniciativa, realizada a cada dois anos pela Fundação Abrinq, teve como objetivo retratar a importância da saúde mental, em especial para as crianças e os adolescentes. Para isso, reconheceu no último ano, três projetos voltados à promoção da saúde mental na infância e adolescência.
“Quando vimos o edital, percebemos que precisávamos nos inscrever. Nós falamos que ele foi desenhado para nós, porque é tão difícil ter uma premiação que reconhece ações de saúde mental, que não tinha como não participarmos. Era muito específico e muito raro”, diz Graziela.
“Ano passado foi muito difícil para todo mundo. Para nós foi difícil manter o atendimento, a proposta e as folhas de pagamento da equipe. Conseguir fazer o projeto continuar foi um trabalho enorme. Terminar o ano com um reconhecimento da Fundação Abrinq foi muito importante para todos. Internamente foi um reconhecimento mesmo, como se dissesse que o nosso trabalho está valendo a pena e que estamos no caminho certo”, completa.
Além do título de iniciativa vencedora, cada projeto recebeu, com o apoio da Fundação José Luiz Egydio Setúbal, um aporte financeiro de acordo com a classificação para aprimorar suas atividades, sendo R$ 25 mil para o 1º colocado, R$ 20 mil para o 2º colocado e R$ 15 mil para o 3º colocado.
Para o Projeto Quixote, o recurso proporcionou o alívio de poder continuar com as ações em meio a uma fase tão difícil: “Foi um ano em que todas as formas de captação diminuíram, nós tivemos doações pontuais para comprar cestas básicas e para o público direto, mas para sustentar as ações e os salários o apoio diminuiu. Poder contar com um recurso extra que não estava no planejamento foi muito bom”, comenta.
A premiação também teve impacto positivo na visibilidade do projeto, servindo como um facilitador na hora de firmar parcerias: “Logo depois que saiu o resultado, tivemos contatos de pessoas querendo ajudar. É uma força que repercute em doações, porque é um selo de qualidade”, afirma.
No entanto, de acordo com Graziela, o maior impacto do Prêmio Criança 2020 foi voltado para a autoestima dos colaboradores, uma vez que gerou estabilidade e esperança por dias melhores.
“Nós levamos muitas rasteiras, muitas críticas, o dia a dia não é um glamour, é uma batalha e o prêmio teve impacto na saúde mental da equipe, ele trouxe esse respiro de autoconfiança. O reconhecimento não é uma coisa pontual, ele fica para a história. Você é premiado para sempre”, finaliza.
Conheça as outras duas iniciativas vencedoras do Prêmio Criança 2020:
Projeto Com Tato — Fortalecer para transformar histórias
Organização Manaíra — “A verdadeira mudança começa na cabeça e no coração de cada um”